Transporte de Medicamentos: RDC 430 e a infraestrutura de transporte no Brasil

Transporte de Medicamentos: RDC 430 e a infraestrutura de transporte no Brasil

Entenda como os modais de transporte brasileiro estão relacionados com as regras da Anvisa, em especial a RDC 430.


A logística move o país diariamente. Dos pequenos comércios às grandes indústrias, sem a distribuição regular de produtos, com pontualidade e precisão, a falta de abastecimento traria problemas maiores que prejudicam não só o dia a dia das pessoas, mas também a saúde das mesmas, e esse é um dos pontos principais dessa reflexão. 


Segundo o Relatório Executivo do Plano Nacional de Logística 2025, o Brasil é extremamente dependente do transporte rodoviário de cargas, com representatividade de 65%. Outros estudos, como da Fundação Dom Cabral, apontam uma subordinação ainda maior ao modal, que pode chegar a 75% da matriz de transportes. Apenas 9,4% das cargas passam pelo modal marítimo, 5,8% pelo modal aéreo, 5,4 % pelo modal ferroviário, 3% via cabotagem e apenas 0,7% no sistema hidroviário


Nesse sentido, a diversificação das modalidades de transporte poderia facilitar ainda mais a distribuição, aumentar a competitividade das empresas do setor e trazer melhorias que beneficiariam todos envolvidos na cadeia. 


Porém, é importante fazer a análise de um transporte específico: a distribuição de produtos farmacêuticos, suas exigências e como a falta de infraestrutura prejudica e dificulta a busca por excelência, qualidade, processos, cumprimentos, tanto ao embarcador e seus clientes finais, quanto aos transportadores que atuam nesse setor.

RDC 430 e suas exigências

De acordo com a última alteração da RDC 430/ 2020, que dispõe sobre as Boas Práticas de Distribuição, Armazenagem e de Transporte de Medicamentos, existe uma necessidade já tardia a respeito da regulamentação do transporte de medicamentos, tão importante e necessário para garantir a qualidade não só dos serviços prestados, mas para que os produtos transportados cheguem com a menor intervenção possível e dentro das exigências dos fabricantes. 


Tais alterações se dão nos artigos 64 e 89 da RDC. Em síntese, segundo a ANVISA, o artigo 64 estabelece como obrigação às empresas que realizam o transporte de medicamentos, o monitoramento das condições de transporte relacionadas às especificações de temperatura, acondicionamento, armazenagem e umidade do medicamento. 


Esse monitoramento deve ser feito a partir de instrumentos calibrados, além da aplicação dos sistemas passivos ou ativos de controle de temperatura e umidade que sejam necessários à manutenção das condições requeridas pelo registro sanitário ou outras especificações aplicáveis. Já o artigo 89 trata da transitoriedade para o cumprimento da determinação dos incisos II e III do artigo 64. 

A provocação para alteração dos artigos 64 e 89 da RDC 430/2020 é proveniente do setor regulado, que percebeu que os prazos para adequação ao controle e monitoramento de temperatura e umidade exigiriam altos investimentos de capital para adequação de frota e risco de desabastecimento. 


Assim, a segunda leitura sobre o assunto levou à percepção de outras práticas regulamentares da ANVISA (IN 47/2022) e internacionais (PIC/S, TGA, MHRA, dentre outras) que alimentam o processo de decisão dentro de uma perspectiva de análise de risco, que leva ao monitoramento e registro contínuo de quaisquer condições ambientais críticas, ou à sua intenção caso se justifique o contrário.

A partir disso, se pode observar que os temas de controle e monitoramento de temperatura e umidade seguem em conflito entre as demandas regulatórias das boas práticas de distribuição, armazenagem e transporte (BPDAT) e os requisitos de redução de custo de operação das empresas transportadoras. 


Do ponto de vista regulatório, percebe-se que a RDC 430/2020 foi definida para toda a série de produtos farmacêuticos, de forma que a aplicação dos controles de temperatura e umidade se sobrepõem às características intrínsecas de cada produto, sem passar por um fluxo de análise de risco. 


Nesse contexto, a proposta é que as alterações na norma passem a considerar as características específicas das rotas e produtos, inclusive aquelas relacionadas ao perfil de estabilidade. Assim, as empresas deverão definir as situações nas quais o monitoramento de temperatura e umidade poderá ocorrer de modo amostral e periódico, utilizando como suporte os dados obtidos da análise de risco e dos estudos de mapeamento de rotas. 



Desta forma, vislumbra-se uma redução de custos, sem que haja um incremento de risco, em relação ao proposto pela atual RDC 430/2020, tendo em vista que o controle de temperatura e umidade não ocorrerá para todos os produtos indistintamente. 

No entanto, quando não houver dados de suporte, ou que um determinado ambiente de distribuição gere riscos à qualidade do produto, o monitoramento de temperatura e umidade deverá ser realizado.

Mapeamento

Diante deste cenário, a alteração do artigo 64 refere-se à inserção do mapeamento de rotas e da análise de risco, considerando dados climatológicos, tempo, distância, sazonalidade, modais de transporte e outras variáveis críticas, como pontos principais para a definição das soluções aplicáveis para o transporte de medicamentos. 


Ao passo que a alteração do artigo 89 refere-se à ampliação dos prazos, uma vez que o prazo de um ano é tecnicamente inviável, em face da necessidade de conhecimento das rotas de transporte (considerando que o Brasil é um país continental), execução de análise de risco e, por fim, a implementação, de fato, do controle e monitoramento das condições de transporte dos medicamentos.

 

Dessa forma, a proposta mantém a necessidade do monitoramento de temperatura e umidade nas rotas de transporte, da mesma forma como disposto no inciso II, artigo 64 da RDC 430/2020. No entanto, estão sendo incluídos dos parágrafos, que tratam da avaliação de risco, conforme segue:


“Uma avaliação de risco deve ser realizada para se considerar o impacto das variáveis do processo de transporte, que não sejam continuamente controladas ou monitoradas, bem como para o controle da qualidade dos produtos, caso estes sejam transportados em condições diversas daquelas definidas nos registros.”


“O monitoramento previsto no inciso II do caput deste artigo pode ocorrer de modo periódico em rotas definidas como piores casos, após análise de risco que considere similaridades de rotas, dados climatológicos, tempo, distância, sazonalidade, modais de transporte, horários e outras variáveis críticas para o transporte”.


Uma nova redação está sendo incluída no quinto parágrafo do artigo 64, a fim de permitir também a eliminação do controle previsto no inciso III, quando houver condições justificadas tecnicamente pelo fabricante: 


“O controle de umidade previsto no inciso III do caput deste artigo pode ser eliminado após avaliação de risco ou quando forem apresentadas justificativas técnicas pelos fabricantes que deem suporte ao transporte em condições diversas daquelas definidas no registro”.


Ainda, no artigo 89, uma nova redação está sendo sugerida para os parágrafos primeiro e segundo:


Artigo 89 fica estabelecido o prazo de 3 (três) anos a partir da data de entrada em vigor desta Resolução para a aplicação do conjunto de ações que serão necessárias à implementação do requerido nos incisos II e III do artigo 64”.


“Parágrafo primeiro - Fica estabelecido o prazo de 2 (dois) anos a partir da data de entrada em vigor desta resolução para que todos os elos da cadeia de distribuição realizem seus estudos de mapeamento de rotas”.


“Parágrafo segundo – Após o prazo estabelecido no primeiro parágrafo as empresas terão 1 (um) ano para a implementação das soluções aplicáveis em consideração os resultados obtidos nos estudos de mapeamento de rotas ou análises de risco”.

 

Por fim, está sendo sugerida uma nova redação tanto para o inciso V, quanto para o parágrafo primeiro do artigo 64, apenas para facilitar a compreensão, sem qualquer alteração do mérito.

Consulta pública

A proposta de consulta Pública (CP) de alteração da RDC foi apreciada na Reunião Ordinária Pública – ROP número 03, de 2022, realizada no dia 23/02/2022, quando o Colegiado aprovou, por unanimidade, a CP, com prazo de 10 (dez) dias, nos termos do Voto 27/2022/SEI/DIRE4/Anvisa (SEI 1779293). Assim, em 23 de fevereiro de 2022, foi publicada a Consulta Pública número 1.077 (SEI 1809687). 


Finalizado o prazo da referida CP, as contribuições foram analisadas pela área competente conforme planilha com o compilado das contribuições e respostas juntado aos autos (SEI 1810230). 


Foram recebidas 52 contribuições, sendo 19 oriundas de pessoas físicas e 33 advindas de pessoas jurídicas. Em termos de percepção do impacto da proposta de minuta, foram reportadas 26 percepções positivas, duas negativas e 24 ressaltando tanto pontos positivos como negativos. 


Porém, no que tange às contribuições, verificou-se que o maior número das propostas foi no sentido de solicitar que, durante os prazos de temporalidade, não existam obrigações e infrações sanitárias. 


No entanto, tais contribuições não foram aceitas, uma vez que quando identificado qualquer desvio durante o mapeamento ou análise de risco, as empresas devem utilizar de seus Sistemas de Gestão da Qualidade para atuar imediatamente. 


Além disso, atualmente os mapeamentos e dados gerados não culminam em obrigações adicionais às empresas, situação essa que não pode se prolongar mais, haja vista todo o contexto acima discutido.


Outra proposta recorrente foi a solicitação de inclusão do inciso II do artigo 34 referente aos requisitos de devolução de medicamentos, nas temporalidades contidas no artigo 89. Em primeiro lugar, temos que o referido item não foi objeto da consulta pública. 


Além disso, o artigo 34 trata dos fatores que devem ser ponderados quando da reintegração de um medicamento devolvido ao estoque. Nesse sentido, todos os seus incisos são necessários para avaliar os determinantes que podem causar dano ao produto durante o transporte, inclusive o inciso II, que trata dos dados de armazenagem e transporte empregadas pelo comprador. Pelos motivos expostos, tal contribuição não foi aceita.


A solicitação de controle de umidade, se não estiver escrito na embalagem do medicamento, e também ao armazenamento em trânsito, foram propostas recorrentes durante a consulta pública, porém não foram aceitas, uma vez que a ausência da indicação de condições de transporte na caixa de embalagem (terciária) não indica a falta de requisitos de controle ou monitoramento de umidade.


A proposta é para que esta Resolução entre em vigor na data de sua publicação, atendendo ao disposto no Parágrafo único, artigo 4 do Decreto número 10.139, de 28 de novembro de 2019. A sugestão se faz devido à urgência da publicação, uma vez da expiração do prazo para adequação presente no texto original da RDC número 430/2022 em 16/03/2022.


Baseado nas informações acima, seria fundamental, ainda, que caminhasse de forma paralela uma série de adequações em termos de infraestrutura e desenvolvimento, tanto de estradas, quantos dos postos de paradas, bem como infraestrutura aeroportuária para cumprimento das normas.

 

Também, em forma de monitoramento e avaliação para que se tivesse completo controle e mapeamento de todos os pontos importantes e fundamentais, tanto de trânsito de mercadorias, para manter a qualidade dos produtos, bem como para entregar condições humanas para motoristas que viajam por todo nosso território nacional.


Desenvolvimento de tecnologias e exemplos dos carros elétricos, são meros fetiches ou sonhos num futuro distante para a realidade de um país continental e precário. Se faz necessário enxergar o todo ou viver de ilusões, tapar o sol com peneiras ou negar a atual realidade.


Outro ponto importante que trazemos para discussão é a real regulamentação das empresas transportadoras de produtos farmacêuticos. Se faz necessário uma auditoria completa, para todas as empresas de transporte e esse, também, deve ser um desafio a ser cumprido pela ANVISA e Órgãos Federais responsáveis. 


Atualmente, se vistoria empresas que estão adequadas, ou seja, aquelas que não possuem licença, padrão de qualidade, manuais de boas práticas de transporte, procedimentos operacionais padrão, responsável técnico participativo, gestão de qualidade, trabalham livremente pelo mercado nacional. Bem como uma série de embarcadores e distribuidores pelo Brasil afora em busca de lucratividade se rendem a qualquer perfil de empresa. 


O assunto é sério e deve ser tratado com a seriedade necessária. Tratamos de vidas, de subsídios para se ter qualidade de vida e é fundamental que isso seja encarado com coerência. O mercado farmacêutico cresce anualmente. A indústria lucra bilhões, enquanto empresas de transporte trabalham com margens curtas. Portanto, o discurso de redução de custo baseado na logística não é coerente.

 

A logística cumpre, sim, papel fundamental nos custos das empresas. Porém, se queremos qualidade, se precisamos de controles, a régua precisa subir. Há muito trabalho a ser feito e esperamos que seja um marco positivo para todos. E que as empresas de transporte sejam vistas como parceiros e não vilões, responsabilizados pelos fracassos das operações. 


Não se obtém melhoria contínua sem participação. Não se transforma processos sem diálogo. 



Muitas empresas sequer fazem visitas técnicas de alinhamento, porém cobram excelência, mas não permitem desenvolvimento. O transportador sabe da sua importância e quer ser visto como parte fundamental na cadeia de transporte e distribuição.

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